Texto produzido pelo meu aluno Igor Lobo, em 2008. O texto faz parte da antologia literária “Horizontes Cruzados”, publicada pela primeira vez em 2009 e será reeditada este ano.

            – Um, dois, três… pula pô!

            – Tá louco? Olha o barco lá embaixo!

            – Ahhh! Tu tem medo é?

            – Pula tu então!

            – Eu pulo, mas deixa o barco passar!

            – Ahhhh! Tu não é o doidão?

            Bom, quase todos os meu dias começam assim. Saio de casa levando nos ouvidos a bronca da mamãe: – Menino, depois que morre diz que é estudante! Mas vou fazer o quê? A moçada todinha se encontra lá! Tenho que ir pra lá! Ah! Esqueci de dizer onde fica esse tal de “lá”: o “lá” que tanto falo é o nosso “point”, é a Ponte do São Raimundo, carinhosamente chamada de Ponte do Sonray.

            Não existe menino que tenha se criado soltando papagaio, rodando peão, jogando bola na rua, perdendo a cabeça do dedão do pé e não tenha pulado, pelo menos uma vez, da Ponte do Sonray.      Por muitas e muitas vezes tirei fino de muitos barcos. Ontem de manhã mesmo vi Jesus Cristo bem de pertinho! Cheguei a sentir cheiro de flor! Pensa que é mentira? Então espia…

            Estávamos (tá certo, estávamos?) Ah! Nem sei… Mas pois é… A gente tava lá: eu, o Zé Gotinha, o Apagão, o Perigo. Ah! Até o Já-Morreu tava! Quando subi na beira da ponte e falei:

            – Eu vou pular eu!

            – Tu vai pular tu?

            – Eu vou eu!

            – Ta aí! Quero vê essa onda eu!

            – Mas eu só pulo se tiver contagem!

            – Falô então… Conta aí moçada!

            – UMMMMM…

            E as pernas tremendo!

            – DOOOOIIIISSSSS…

            A vista embaçando!

            – TRÊÊÊÊÊÊÊÊÊSSS…

            E a cueca molhando!

            – EEEEEEEE…

            Ave-Maria!

            – JÁÁÁÁÁÁ…

            Um grito desesperador sai da minha garganta:

            – PUUU@!?*&%$RIIIIU

            A adrenalina tomava conta do corpo, afinal, cinco segundos de queda livre não é pra qualquer um não! Mas como sempre alguma coisa tem que dar errado e dessa vez não iria ser diferente: quando eu já tinha me acostumado com o vento no rosto e a expectativa de chegar na água, escuto, lá de cima, um grito que me deixou apreensivo:

            – EEEEEIIIIII MANÉÉÉÉÉÉÉ, OLHA O…

            – OLHA O QUÊ?

            Aff! Tarde demais! Quando tava chegando perto da água, olhei para o lado e vi um monte de olhos verdes, azuis, até puxados acompanhando a beleza do meu salto! É moçada… Nunca vi tanta máquina digital me fotografando! Um barco até o tucupi de gringo! Rum… Só que na hora nem pensei nisso, rezei pra Jesus (lembra que o vi bem de pertinho, pois é…). Pedi pra que ele não me levasse naquela hora, prometi que ia voltar pra igreja, disse até que era estudante! Aquele momento de súplica foi interrompido pelo choque com a água escura do Rio Negro. Enquanto eu mergulhava apavorado, atormentado, morrendo de medo e cá pra nós, todo cagado, eu tentava, de alguma maneira, desviar do barco. Num só momento fui campeão em duas modalidades olímpicas: no salto ornamental e no nado sincronizado. Por que nado sincronizado? Nossa! Pra fazer o que eu fiz enquanto passava por baixo do barco tem que ter muita sincronia na arte de nadar!

            Depois de todo esse tempo de agonia, a moçada lá em cima me avista boiando já perto da margem. Foi um momento comovente: todos se abraçando, chorando, gritando, esperneando, os incubados se revelando, enfim, sobrevivi!

            Quando cheguei em casa passei da sala para o banheiro. Nem contei conversa com a mamãe. Segredo. Sigilo. Ela não podia nem sonhar que eu tinha feito uma coisa daquelas. Nunca! Três dias se passaram e então voltei mais uma vez na ponte. Reencontrei todo mundo, mas a recepção não foi muito boa:

            – Aê… Tá famoso agora!

            – Eu? Famoso?

            – É… Não viu na tevê?

            – Tevê? Que tevê? Ai meu Deus!

            Nesse dia, saí de manhã cedo pra vê se eu ainda tinha chance de passar de ano.

            – Ai…Ai…Ai… E onde passou?

            – Passou no Sabino, pô! Todo mundo viu!

            – Caraca, no Sabino! A mamãe viu! Bando de gringo cagueta!

            – As fotos tão até no orkut!

            – Putz… Lascou-se! Vai sair no Canal Livre!

            Fui correndo pra casa. Quando cheguei, lá estava a mamãe bufando! E não deu outra: tomei um samba de galho de goiabeira que fiquei manco de uma perna por uma semana… Sem brincadeira!

            Lembrando assim dá até saudade: os tombos, os sustos, os mergulhos, as brincadeiras, enfim, tudo o que fazia lembrar os meus saltos daquela ponte. Como havia prometido, realmente voltei pra igreja (sou coroinha!) e realmente me tornei um estudante, tenho as minhas notas vermelhas… Quer dizer, algumas vermelhas… Algumas? Nossa! Muitas vermelhas… É… Ai meu Deus! Todas vermelhas! Mas mesmo assim, eu sou estudante. E se tem alguma coisa nessa vida que eu não vou esquecer jamais são os meus saltos e se existe outra que eu vou fazer questão de que os meus filhos conheçam é a minha tão lembrada e minha tão amada Ponte do Sonray.